23 de setembro de 2013

Outono


Nos dias em que se espera silêncio
o outono toca-nos dia após dia,
penso por um momento...
Quem me dera que a chuva viesse
e nos diluísse um ao outro,
e pela noite dentro ao sabor da corrente
navegássemos em direcção ao mar.

Foi no outono, num dia qualquer
há muito tempo
que perdi o controle de todos os dias
não importa,
são todos iguais uns aos outros
não houve noites a separá-los,
porque não durmo.

O meu coração é demasiado grande
para o meu corpo
então deixo-o voar,
mas estamos tão pouco
onde estamos
é que no fundo
tudo é pouco
tudo é insignificante.

Questiono-me:
A quantos beijos estamos hoje de distância?
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Vento


18 de setembro de 2013

Arquivo

A minha mente já não cresce
desde que parei de crescer,
as memórias multiplicam-se
então assumo que as minhas coisas
estão guardadas numa dispensa.

Os meus joelhos
Os meus pés
um arquivo que anda
em desordem ordenada
em profunda ponderação
de um navio sobrecarregado.

Às vezes quero deitar-me num banco do jardim
mudar a minha maneira de ser e sentir,
pensar naquilo que perdi por dentro
e do que perdi por fora,
mas as palavras abandonam-me
como ratos que abandonam um barco
quando este se afunda.
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Vento

12 de setembro de 2013

Anoiteço dentro de ti

Entro em ti
com palavras de amor,
preciso de ti,
preciso que me sintas,
como se eu fosse uma pedra de gelo
que caminha pelo teu corpo.

Fecha os olhos e balança,
sente o fogo que arde nas tuas veias,
sente-me no teu ser mais profundo,
sente esta doce dor invisível
que te consome a mente.

Não sou alguém que espera
que lhe abram a porta
numa parede sem porta,
até porque...
A tua beleza
é mais do que suficiente
para encher um dia de vida.

Torna-se cada vez mais difícil
distinguir aquilo que se perde
daquilo que nunca se teve.
Por serem assim os meus sentidos,
atrevo-me a dizer…
Anoiteço dentro de ti,
e foi assim que adormeci.

"Se perguntarem por mim diz-lhes que enlouqueci."
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Vento

4 de setembro de 2013

Ruídos

De noite inclino-me, inclino-me e deixo-me cair
com este cabelo e o sistema nervoso descompostos,
caio de cansaço, de dor, de sono...
Sou uma mentira que diz sempre a verdade.

Fecho os olhos, procuro adicionar à escuridão do quarto
a escuridão das minhas entranhas.
Agrada-me a ideia de que, através deste simples gesto
pudesse harmonizar o interior e o exterior,
é como se as trevas em que o quarto mergulha
e as que dentro de mim se desprendem
fossem de uma só natureza.

De certa forma deixo de ter corpo,
ou pelo menos um corpo exterior,
sem luz posso finalmente reduzir-me
e ficar atento aos ruídos da noite.
Esses ruídos, que em meu entender
são um modo da distância se exprimir,
momentos de puro sossego
que por si só, proporcionam um belo prazer.

A transformação que as trevas provocam no meu corpo
quando o ouvido se aproxima do coração,
é como se essas mesmas trevas
assimilassem e reproduzissem
o espaço existente entre o interior e o exterior.

Esses ruídos que surgem dentro de mim
e que os sentidos parecem identificar
só porque habitam este corpo,
circulam em ambos os sentidos
até que lhes anulem os limites.

“Tantas vozes fora de nós!
e se somos nós quem está lá fora!”
...
Vento